quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O poeta e a musa de alabastro


O poeta e a musa de alabastro

Era num cemitério. As nênias passavam bailando por entre os túmulos onde dormiam frios e poeirentos esqueletos. Tudo era silêncio e morte. O perfume das flores colocadas sobre as sepulturas se misturava ao piedoso odor da decomposição dos cadáveres nos mausoléus, e as sombras da noite tornavam toda a atmosfera tão envolvente quanto aterradora. Que mortal ali não se sentiria, num primeiro momento, assustadoramente arrebatado, enlaçado pelo eco das vozes da morte, para depois cair em pranto e desespero e por fim, desejar escapar de todo esse lúgubre cenário?
Ia já alta a noite quando uma figura passou por entre os túmulos que mais pareciam monumentos e palácios. Seria uma alma perdida que penava pela noite?! Não... era um rapaz. A pele amorenada, as vestes escuras, os cabelos cacheados graciosamente emaranhados. Trazia um lírio numa das mãos... Por alguns minutos pareceu andar perdido. Todas aquelas trevas... olhava ao redor, a expressão um tanto confusa. Após um curto instante de caminhada, parou. Abriu-se um sorriso em seus lábios e os olhos fizeram-se reluzentes como os pirilampos que cercavam o imenso sepulcro que o jovem fitava. A cena era deveras mágica! A estátua de mármore representando uma jovem de longos cabelos caídos sobre os ombros, com os olhos fixos num livro aberto em suas mãos, ali, iluminada pelo brilho dos vaga-lumes contrastava com todas as demais figuras de frio alabastro que cercavam-na. Parecia viva! Concentrada em sua leitura, sem nada para perturbar-lhe ali entre as nênias que cobriam os túmulos.
O rapaz parecia extasiado diante da lívida escultura. Se dirigiu suavemente para ela, e quase que ritualmente colocou o lírio junto dos pés da estátua. "Tão bela!" Exclamou quase sussurrando, com os olhos fitandos o delicado semblante de alabastro. Alguns instantes se seguiram até que ele parecendo despertar de um transe, voltou a falar docemente para a estátua.
"Oh marmórea musa, quão bela tu és! Lembro-me da primeira vez que a vi; era no enterro da triste prima Arbella, qaundo seguia eu o prestito fúnebre por entre estes velhos e enegrecidos túmulos que nos cercam. Estanquei ao ver-te. Assim, impassível as dores deste mundo, compenetrada em sua eterna leitura, indiferente a transitoriedade das vidas mortais. A paixão tomou-me por completo. E desde então, não posso eu mais continuar a viver sem vir até aqui, apenas para contemplar-te!"
A imagem do rapaz ajoelhado diante da fria estátua parecia uma cena do teatro barroco. Algo tão incomum quanto belo. As horas iam passando e o rapaz adormeceu. Certo tempo depois acordou sentindo um toque suave no ombro, e uma voz melodiosa a lhe dizer "Despertai meu poeta" O jovem acordou como que confuso. Olhou para o túmulo monumental e assustado, quase catatônico, balbuceou "Mas como? Onde ela está?" Olha ao entorno, e viu a musa de alabastro sorrir-lhe "Aqui estou, caro poeta."
Estava viva! (Continua...)

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